A CAPITAL
O dia que a Caixa de Pandora da concessão do transporte público de Palmas foi aberta.
A CAPITAL

Segundo a mitologia grega, de modo bem resumido, Pandora foi a primeira mulher do mundo, criada por Júpiter, e dada de presente a Epimeteu e Prometeu, irmãos titãs criadores do primeiro homem.
Epimeteu tinha em sua casa uma caixa onde guardava artigos malignos não utilizados na criação do homem, mas Pandora, tomada por enorme curiosidade, abriu essa caixa, espalhando assim uma multidão de pragas por toda parte.
Essa é a essência do mito da “Caixa de Pandora”.
Assim, quando se investiga algo desconhecido e o encontrado revela-se tenebroso, diz-se, com base nesse mito ora resumido, que fora “aberta a Caixa de Pandora” daquilo que se está estudando.
O dia a que se refere o título deste artigo é 29 de novembro de 2022, data que fora publicada a Medida Provisória nº 5, criando a Agência de Transporte Coletivo de Palmas – ATCP e rompendo, definitivamente, uma concessão pública de 30 anos marcada por diversos problemas, renovações e alterações contratuais questionáveis (e algumas inclusive questionadas judicialmente), e o pior: em vários momentos desse longo período muitas dificuldades foram infligidas ao usuário do transporte coletivo urbano da capital.
Mas como diz a música interpretada magistralmente por Toquinho: recordar é viver. Deste modo, vamos começar corretamente: do início.
O contrato de concessão do transporte coletivo urbano de Palmas foi assinado em 30 de novembro de 1992, ou seja, há mais de 30 anos.
Em 2002 esse contrato foi renovado por força de uma lei municipal que fora questionada judicialmente em 2010 pelo Ministério Público. Em sede de 1ª instância, o juiz declarou nula a renovação contratual[1], pois a licitação originária e o contrato decorrente não previam a possibilidade da renovação, e a via escolhida para possibilitar a renovação (edição de lei autorizativa) não seria cabível. Contudo, em 2018, o Tribunal de Justiça, por decisão do desembargador afastado Ronaldo Eurípedes, acompanhado pelos desembargadores João Rigo Guimarães e José de Moura Filho, reverte a decisão de piso, restabelece os efeitos da questionada lei municipal e mantém a concessão vigente[2].
Como dito anteriormente, vários problemas afetaram diretamente a população usuária do serviço nesses trinta anos de concessão.
Em 2013, o então recém-eleito prefeito Carlos Amastha (hoje vereador da base de Eduardo Siqueira Campos e sempre ferrenho questionador da gestão anterior), após embates públicos com o responsável de determinada concessionária[3], chegou a anunciar a revogação dos contratos de concessão do transporte coletivo urbano[4], mas não manteve seu posicionamento e os contratos nunca foram extintos em sua gestão.
Em 2017, ainda na gestão Carlos Amastha, durante o processo de revisão do Plano Diretor Participativo de Palmas[5], já eram apontados e documentados os diversos problemas do transporte coletivo urbano. É o que diz o Diagnóstico Municipal Preliminar da revisão do Plano Diretor Participativo:
“Foi dito que a quantidade de ônibus é insuficiente e que nos horários de
pico faltam ônibus. Foi destacado ainda que os horários são irregulares e que no período noturno a falta do transporte público é agravada. A falta de acessibilidade para os usuários do transporte público também foi apontada, assim como, a existência de ônibus sem ar-condicionado.
Dentre as contribuições, foi ressaltada a falta de concorrência no sistema
de transporte como um problema e; foi sugerido que o BRT deveria incentivar a ligação de Palmas e Porto Nacional, visto que esta era a proposta de planejamento urbano pioneiro da cidade. Em contrapartida, outra contribuição questiona a viabilidade econômica para se manter o BRT, no futuro.”
Os anos se passaram, veio a gestão Cinthia Ribeiro e logo na sequência a pandemia de Covid-19, circunstância que demandou medidas de distanciamento social e com isso mais problemas no transporte coletivo surgiram e se derivaram, conforme evidenciam, apenas a título de exemplo, as seguintes matérias:
“Rodovia é bloqueada em protesto contra má qualidade do transporte coletivo de Palmas” – 09/09/2020
“Palmas amanhece com estações lotadas por conta de paralisação no transporte público” – 27/09/2021
Diante deste cenário, chegamos ao ano de 2022, mais precisamente no dia 29 de novembro de 2022, data que a Caixa de Pandora do transporte coletivo urbano de Palmas começa a ser aberta, vejam só a ironia do destino, por uma mulher, assim como foi na mitologia.
Mas por qual motivo a criação de uma simples Agência de Transporte Coletivo pode ser comparada ao mito de Pandora?
Simples: se assim não fosse, se o Poder Executivo Municipal não ingressasse com toda sua estrutura administrativa no escopo completo do serviço do transporte coletivo urbano, desde a oficina, passando pela garagem, chegando no sistema de bilhetagem e no planejamento das rotas, jamais seria possível, a qualquer pessoa que viesse a ocupar a cadeira de prefeito de Palmas, realizar um certame licitatório decente e condizente com as demandas e necessidades da capital. Em outras palavras: se a gestão não conhecesse o sistema de dentro, se não tivesse acesso a todas as suas potencialidades e gargalos, como produzir um sistema de concessão que fosse justo e adequado em todos os aspectos possíveis aos cidadãos palmenses?
A motivação da criação da ATCP acima exposta, da forma como dita, parece até óbvia ante aos TRINTA anos de um serviço controlado fortemente pela iniciativa privada e que como o histórico comprova, continha sim muitos problemas que permeavam sua execução (da mesmo forma que em praticamente toda cidade do país onde se concede esse serviço experimentava problemas). E é justamente por isso a analogia com o mito de Pandora: somente após o Poder Executivo da capital “entrar na garagem dos ônibus” que os problemas puderam ser efetivamente conhecidos.
E como foi difícil “entrar nessa garagem”! Para se ter uma ideia, as concessionárias e o Seturb, mesmo após extinta a concessão, negaram à Prefeitura acesso ao servidor que controlava o sistema de bilhetagem e à chave eletrônica do mesmo, impedindo o funcionamento do sistema, circunstância que ensejou uma representação administrativa por parte do Município protocolizada junto ao Ministério Público[6].
Em 2 de março de 2023 foi realizada uma coletiva de imprensa[7] no Espaço Cultural onde a gestão pode transmitir à população o “balanço dos 100 primeiros dias” de operação direta do transporte coletivo urbano da capital. Na ocasião, a então Prefeita Cinthia Ribeiro deu o seguinte tom:
“De acordo com a gestora, a intenção do Município é avaliar como elevar o transporte coletivo a uma política pública que funcione e ofereça qualidade ao seu usuário. Para isso, é preciso avaliar, segundo Cinthia, se a melhor alternativa é manter a gestão direta ou adotar um modelo novo de contrato terceirizado. “Queremos entender qual a melhor opção para operação. O que já sabemos é que o antigo formato não vai ser mais adotado porque deixava o poder público, que custeava tudo isso, sem acesso informações importantes porque terceiros detinham toda a gestão, operação e a arrecadação”, defendeu a prefeita.”[8]
“Ela falou ainda: “Em particular, eu quero fazer alguns apontamentos que são importantes. Dr Fábio nos falou sobre o que foi apresentado à época ainda, e também bem recente ainda né, quando nós atravessávamos a Pandemia. O transporte público nos apresentou um suposto prejuízo em torno de R$ 21 milhões. Eu falei, Dr Fábio, nós temos aí pela frente um grande desafio. A Agência de Regulação de Palmas tem profissionais adequados para poder fazer todo o levantamento sobre se de fato, existe esse prejuízo presumido, não real. Porque a formatação do contrato quando nós assumidos, da herança que nos foi deixada, nos foi entregue, não nos permitia sequer fiscalizar. Durante muito tempo, a Prefeitura de Palmas não tinha acesso a bilhetagem eletrônica, ao controle do que as concessionárias faturavam, ganhavam”, comentou.”[9]
A coletiva de imprensa dos 100 primeiros dias de operação direta do transporte coletivo urbano da capital pode ser vista na íntegra no Youtube, através do seguinte link: https://www.youtube.com/live/d5t2D2rxmcw?si=cyWcnC7mAaxp7Fws
Desde a assunção dos serviços de transporte coletivo urbano pela Prefeitura de Palmas vários desafios e problemas surgiram, é verdade, afinal, toda transição de algo que estava por décadas estabelecido será por certo traumática. Todavia, apesar das dificuldades, várias medidas de solução foram executadas ou tentadas num curtíssimo espaço de tempo, como por exemplo: houve a locação de ônibus seminovos para aumentar a frota; linhas exclusivas para mulheres foram implantadas; gratuidades nos finais de semana e feriados foram concedidas; contratação de empresa para substituição e modernização dos abrigos dos pontos de ônibus, dentre outras medidas. Enfim, em pouco mais de dois anos, muitos problemas foram enfrentados, mas muitas soluções e melhorias também foram estabelecidas.
Também foi tentada a autorização para financiamento da aquisição de ônibus zero quilometro, tanto para o transporte coletivo urbano quanto para o transporte escolar, mas que por questões puramente políticas, sem o mínimo de respaldo técnico ou fático que se sustente, foi rejeitada pela maioria da Câmara, penalizando não a então prefeita, mas o cidadão palmense.
Enfim, essa breve retrospectiva ora trazida reflete apenas a ponta o iceberg de uma questão vastamente complexa, mas que também tem o propósito de colaborar e contextualizar a nova gestão da capital, de modo muito humilde e sem qualquer pretensão que não seja lançar luz na verdade, acerca dos desafios e motivações concretas que levaram à criação da ATCP. Qualquer alegação de “ausência de planejamento” acerca da decisão de assumir o serviço de transporte coletivo urbano a fim de conhecê-lo integralmente e ter enfim condições de lançar uma licitação responsável chega a beirar profundo desconhecimento ou pura má-fé. Prefiro acreditar, até que se prove cabalmente o contrário, na primeira hipótese, por ser um eterno entusiasta e defensor da boa-fé humana.
E para concluir, não custa relembrar: vários gestores tiveram a possibilidade de rever a concessão do transporte coletivo urbano da capital; mas quis a história que uma mulher, assim como Pandora, fosse a responsável por abrir essa caixa.
*Gustavo Bottós de Paula é pai, casado, advogado, especialista em Direito Público, Direito Civil e Direito Processual Civil e consultor e instrutor credenciado junto ao SEBRAE Tocantins. Ocupou, dentre outros, os cargos de: Secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação de Palmas (2012); Subsecretário de Estado da Saúde do Tocantins (2015); Secretário-executivo de Desenvolvimento Urbano e Serviços Regionais de Palmas (2020/2021); Secretário de Desenvolvimento Econômico e Emprego de Palmas (2022) e Secretário da Casa Civil de Palmas (2023/2024).
[1] Concessão à Expresso Miracema em Palmas foi anulada, diz Ministério Público – 10/03/2017
[2] Ação Civil Pública nº 5004814-55.2010.827.2729
Apelação Cível nº 0003770-81.2017.827.0000
[3] Toninho atribui ao poder público responsabilidade para melhorias e dispara: “se existe monopólio é da prefeitura” – 18/06/2023
[4] Amastha anuncia revogação dos contratos de concessão do transporte coletivo – 25/06/2013
[5] REVISÃO DO PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO DE PALMAS – DIAGNÓSTICO MUNICIPAL PRELIMINAR – junho/2017
http://planodiretor.palmas.to.gov.br/media/arquivos/324.pdf
[6] Prefeitura de Palmas protocola representação no Ministério Público contra empresas de ônibus – 09/02/2023
[7] https://www.palmas.to.gov.br/prefeita-cinthia-ribeiro-anuncia-novo-modelo-de-transporte-coletivo-de-palmas/
[8] https://www.palmas.to.gov.br/prefeitura-quer-avaliar-melhor-modelo-para-gestao-do-sistema-de-transporte-coletivo/
[9] https://gazetadocerrado.com.br/tocantins/palmas/transporte-publico-cinthia-mostra-dados-cutuca-antecessores-e-diz-que-assumir-sistema-nao-e-projeto-pessoal-nem-politico-to/

A CAPITAL
A Imunidade Parlamentar e seus Limites na Jurisprudência Brasileira

As eleições municipais de 2024 tiveram diversos aspectos relevantes para nossa capital, dos quais podemos citar três deles como destaque: 1. Foi a primeira vez que tivemos segundo turno; 2. As cadeiras na Câmara de Vereadores saltaram de 19 para 23, e 3. O índice de renovação dessas cadeiras foi de aproximadamente 65%, o que demonstra insatisfação do eleitor com a atuação da maioria de seus representantes e assim buscou “oxigenar” o parlamento municipal em mais da metade das cadeiras.
Diante dessa expressiva renovação na Câmara de Palmas, espera-se que os próximos quatro anos tenham uma atuação intensa e propositiva dos vereadores, seja através da apresentação de matérias legislativas necessárias e relevantes, seja por requerimentos que atendam as reais necessidades da população, ou ainda por meio de eloquentes, pertinentes, fundamentados e enriquecedores discursos e debates no Plenário Tarcísio Machado da Fonseca.
É através do uso do último exemplo de atuação, os discursos e debates, que por vezes costumam ocorrer excessos por parte de parlamentares, muito em razão do simples desconhecimento das nuances, implicações e limites da imunidade parlamentar.
Garantia fundamental assegurada pelo artigo 53 da Constituição Federal de 1988, a imunidade parlamentar visa proteger vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato. Trata-se de uma verdadeira prerrogativa que visa assegurar a independência do Legislativo e a liberdade de expressão dos parlamentares. Contudo, a jurisprudência brasileira tem delineado limites para essa imunidade, especialmente nos casos em que há abuso dessa prerrogativa, resultando em atos que extrapolam as funções legislativas e configuram crimes ou ofensas.
Alcance da Imunidade Parlamentar
Conforme estabelecido na Constituição, os parlamentares são invioláveis civil e penalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato. Essa imunidade material visa proteger manifestações relacionadas diretamente ao desempenho da função parlamentar, como os citados debates ou discursos no plenário, as votações e as proposições legislativas. Todavia, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem interpretação de que essa proteção não é absoluta, especialmente quando as manifestações não guardam relação com a atividade parlamentar.
Jurisprudência e os Limites da Imunidade
Como dito, o STF tem reiteradamente adotado posicionamento restritivo em relação ao alcance da imunidade parlamentar, especialmente em casos de abuso da liberdade de expressão. Decisões recentes evidenciam que não somente a Corte Suprema do país, mas também juízes e desembargadores de todo o Brasil não reconhecem a proteção constitucional quando há manifestação que extrapola a função parlamentar e configura crime.
- Discurso de Ódio e Ameaças às Instituições
Em dezembro de 2024, um vereador do Município de Caxias do Sul, Santa Catarina, foi condenado a três anos de reclusão, à perda do cargo público e ao pagamento de R$ 50 mil de indenização, pelo crime de induzir e incitar a discriminação e o preconceito de procedência nacional, no caso, contra o povo baiano. Segundo a denúncia, o vereador teria sugerido contratar argentinos, em detrimento daqueles a quem referiu-se como “aquela gente lá de cima”, além de afirmar sobre os baianos que a “única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor”, e acrescentado “deixem de lado, aquele povo que é acostumado com carnaval e festa pra vocês não se incomodar”.
O juiz federal do caso afastou a tese de imunidade parlamentar, explicando que já consta em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que a imunidade prevista na Constituição Federal se limita à circunscrição do município; entretanto, no caso, as declarações tiveram grande repercussão nacional. Além disso, as afirmações não tinham nenhuma relação com projeto de lei ou função parlamentar, tendo sido “lançadas na forma de discurso avulso, eivado de conteúdo discriminatório. Tais declarações desbordam até mesmo do regular direito à liberdade de expressão”, segundo o magistrado.
O juiz considerou que as falas do vereador configuraram discurso de ódio, que surge quando o pensamento se materializa na palavra publicada e se espalha de maneira rápida e abrangente, pois, nas redes sociais, segundo o magistrado, “uma informação pode atingir milhares de pessoas em questão de minutos, ecoando falas discriminatórias que, não raro, inflamam radicais que encontram uma falsa legitimidade em figuras públicas – muitas vezes detentoras de mandatos eletivos. (…) Como todo direito fundamental, a liberdade de expressão não é absoluta e ilimitada, encontrando limites na proteção de outros direitos também fundamentais, no caso, da dignidade humana”.
Já o caso emblemático de ameaça às instituições é o do deputado Daniel Silveira, que em fevereiro de 2021 divulgou vídeo onde proferia ofensas e ameaças aos ministros do Supremo, além de defender a adoção de medidas extremas e antidemocráticas, como a reedição do AI-5. No exercício da função jurisdicional, após provocação do Ministério Público, o Ministro Alexandre de Moraes expediu ordem de prisão em flagrante contra o parlamentar, decisão posteriormente referendada por unanimidade do plenário do STF. O Tribunal entendeu que as declarações de Silveira não estavam albergadas pela imunidade parlamentar, pois não guardavam relação com o exercício legítimo do mandato e configuravam manifesto e inequívoco ataque às instituições democráticas.
- Ofensas Pessoais e Crimes Contra a Honra
Em 2019, um vereador do município de Mutunópolis, Goiás, foi condenado a reparar financeiramente danos morais, arbitrados em R$ 10 mil, por postar ofensas nas redes sociais contra o prefeito local. O réu foi enquadrado no crime de injúria, por atentar contra a honra do gestor, pois divulgou vídeos e áudios, no Facebook e WhatsApp, alegando que o prefeito desviava dinheiro no exercício de sua função.
O juiz do caso ressaltou que as opiniões do vereador, da forma com que foram divulgadas, “colocam em xeque a moralidade e honorabilidade do prefeito perante a sociedade local, sobretudo por ser ele ocupante de cargo no parlamento municipal e, nessa medida, podem influenciar seus eleitores, não restando dúvidas de que o vídeo lançado em rede social e os áudios inseridos em aplicativos de mensagens de celular têm o condão de desqualificar a imagem do querelante atingindo número incontável de pessoas”. O juiz ainda ressaltou que, na condição de vereador, o réu deveria ter o dever ético e funcional de fiscalizar o chefe do Poder Executivo Municipal, mas o que deveria ter sido feito com urbanidade e decoro próprios do cargo público que exerce, o que não foi observado no caso. “Chamar o gestor de ‘prefeito ladrão’ claramente extrapola a ética profissional e ofende o decoro e o sentimento de probidade do querelante”.
Recentemente, o deputado Nikolas Ferreira divulgou um vídeo no qual tecia fortes críticas contra algumas das recentes medidas econômicas do Governo Federal. Contudo, diferentemente do caso de Mutunópolis, Nikolas não proferiu ofensas pessoais e nem praticou crimes contra a honra; apenas externou seu ponto de vista a respeito do tema, mas que fora capaz de gerar uma repercussão enorme à época, ao ponto do Governo Federal ter de refluir de sua pretensão e revogar a medida administrativa criticada por Nikolas. Sobre este caso, a posição do renomado jurista Marlon Reis externada ao Canal Uol merece destaque pela objetividade certeira com que aborda o tema:
“Não é possível entrar na mente de um parlamentar para saber o que ele queria alcançar com determinada palavra. Na minha opinião, nós temos que ter um apego radical à ideia de imunidade parlamentar. Cabe, sim, uma exceção à regra da imunidade parlamentar. Essas exceções já foram abertas pelo Supremo Tribunal Federal em casos de crime contra a honra, por exemplo. Mas quando falamos da análise de um ato do governo, a oposição tem o direito de ser dura, cruel, brutal e tem o direito de ter opinião errada.”
Assim, a imunidade parlamentar é um direito que como tal deve ser exercido com sabedoria e parcimônia. Falas e discursos nefastos de parlamentares, capazes de configurar ofensas pessoais e ataques contra a honra de terceiros, por exemplo, não guardam relação alguma com a atividade parlamentar, atividade esta que deve sempre ser pautada em primeira ordem pelo decoro e pela civilidade.
Discordar ou questionar é do jogo. É necessário, intrínseco e indissociável da democracia republicana o contraponto constante de ideias e entendimentos. Já atacar a honra e ofender gratuita e publicamente o ser humano, não. São condutas tipificadas como crimes previstos no Código Penal Brasileiro e que ensejam reparação de danos por meio de ação competente na esfera cível; quem os pratica deve ser punido nos estritos rigores da lei, pouco importando que o ofensor seja (ou tenha sido) parlamentar, prefeito ou empresário.
- Quebra de Decoro Parlamentar e Cassação de Mandato
Como dito anteriormente, além de responsabilizações cíveis e criminais, abusos no exercício da imunidade parlamentar podem também levar à responsabilização política. Em decisão histórica no país, o Plenário da Câmara Municipal de São Paulo aprovou, em dezembro de 2023, a cassação do mandato de determinado vereador por quebra de decoro parlamentar após uma fala racista feita durante reunião de CPI, em maio de 2022. Durante a reunião, o então vereador, que participava de modo remoto, disse: “Não lavar a calçada… é coisa de preto, né?”
A perda do mandato do vereador foi aprovada por 47 dos 55 pares. O quórum necessário para a cassação era de 2/3 dos parlamentares, ou seja, 37 votos. Houve 5 abstenções, uma ausência e nenhum voto contrário. Dois vereadores estavam impedidos de votar por serem partes do processo.
Já a ex-deputada Flordelis teve seu mandato cassado pela Câmara dos Deputados após ser denunciada pelo Ministério Público pela acusação de ser a mandante do assassinado de seu marido. O Conselho de Ética entendeu que a então denunciada quebrou o decoro, afastando assim sua imunidade parlamentar, o que resultou na perda de seu mandato.
Convém destacar as previsões constitucionais, estampadas no artigo 55, de que “perderá o mandato o Deputado ou o Senador cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar” e que “é incompatível com o decoro parlamentar o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional”. Tais previsões constitucionais, por força do princípio da simetria, se aplicam sem limitação alguma aos vereadores, haja vista o caso de São Paulo citado anteriormente.
Conclusão
A imunidade parlamentar é um instrumento essencial e indispensável para independência do Poder Legislativo e para a atividade parlamentar. Entretanto, a jurisprudência brasileira tem reiteradamente estabelecido que essa prerrogativa não é absoluta e não pode ser utilizada como escudo para práticas abusivas ou criminosas. O Supremo Tribunal Federal, acompanhando pelas demais Cortes das justiças federal e estadual, têm delimitado de modo cauteloso os contornos dessa imunidade, assegurando que manifestações desconectadas do exercício legítimo do mandato ou que atentem contra a honra de terceiros ou às instituições democráticas não sejam acobertadas indevidamente por essa prerrogativa constitucional.
*Gustavo Bottós de Paula é pai, casado, advogado, pós-graduado em Direito Público, Direito Civil e Direito Processual Civil e consultor e instrutor credenciado junto ao SEBRAE Tocantins. Ocupou, dentre outros, os cargos de: Secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação de Palmas (2012); Subsecretário de Estado da Saúde do Tocantins (2015); Secretário-executivo de Desenvolvimento Urbano e Serviços Regionais de Palmas (2020/2021); Secretário de Desenvolvimento Econômico e Emprego de Palmas (2022), Secretário de Governo e Relações Institucionais de Palmas (2024) e Secretário da Casa Civil de Palmas (2023/2024).
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