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Gestor Público e Redes Sociais: uma combinação perigosa (para o próprio gestor).

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As redes sociais há muito tempo deixaram de ser meros instrumentos de postagens e compartilhamentos de fotos, vídeos e interações entre as pessoas e passaram a cumprir papel importantíssimo no mundo moderno: transmitir notícias ao maior número possível de pessoas de modo quase que instantâneo ao acontecimento noticiado.

De acordo com a pesquisa global Digital News Report 2025[1], do Instituto Reuters, 45% dos brasileiros que utilizam o Youtube como uma das principais plataformas de notícias, consomem “conteúdo jornalísticos ou informativos de personalidades online/celebridades/criadores de conteúdo”; 42% de “fontes ou jornalistas de notícias menores/alternativos” e 35% de “pessoas comuns”.

Outros dados interessantes da pesquisa: no ranking das redes sociais citadas mais consumidas para obtenção de notícias no Brasil, Youtube e Instagram lideram com 37% cada, seguidos por WhatsApp (36%), Facebook (28%), TikTok (18%) e X (9%). Já o dispositivo mais utilizado para acessar notícias é o smartphone, citado por 82% dos entrevistados.

Cientes desse padrão de comportamento, publicitários das Administrações Públicas e gestores de comunicação das três esferas de governo investem cada vez mais de seus orçamentos e estruturas em conteúdos online que evidenciem à população as ações e programas executados pela gestão. É justamente aqui que o “tiro pode sair pela culatra”.

A Constituição Federal estabelece no caput do art. 37 os princípios elementais que a Administração Pública deve obedecer, seja ela municipal, estadual, distrital ou federal: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. Nessa linha, seu § 1º, ao aprofundar os conceitos dos princípios da impessoalidade e da publicidade, determina que “a publicidade dos atos,

programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.

A fim de respeitar esses comandos constitucionais, as Administrações Públicas criaram em suas estruturas o Diário Oficial: unidade administrativa que faz publicar, em meio digital, físico ou em ambos, todos os atos oficiais de gestão. Em Palmas, por exemplo, capital do Tocantins, o Diário Oficial do Município tem previsão no art. 92 da Lei Orgânica[1] e criação através da Lei nº 1.625, de 12 de agosto de 2009, merecendo destaque o que determina seu art. 2º:

Art. 2º O Diário Oficial criado por esta Lei passa a ser órgão oficial do município de Palmas, no qual serão publicadas matérias objeto do processo legislativo municipal, previstas na Lei Orgânica do Município, bem como de atos administrativos, contratos administrativos, convênios e o que for de interesse público.

  • 1º Fica vedada a utilização desse espaço para nomes, siglas e imagens que caracterizem a promoção pessoal de autoridade ou servidores públicos, na forma do que dispõe a Constituição Federal.
  • A publicação dos atos administrativos, contratos e convênios poderá ter seu conteúdo resumido, a fim de melhor dispor as matérias no Diário Oficial do Município de Palmas.

Apesar das citadas regras constitucionais rígidas de divulgação dos atos oficiais de gestão e considerando a realidade de consumo de informações cada vez maior das mídias sociais online, os “marqueteiros” dos gestores públicos têm a missão de divulgar as ações de seus assessorados ao maior número possível de pessoas, mas de modo que atenda fielmente a legislação citada. A saíde encontrada, e praticada já há algum tempo, foi de as Administrações das três esferas de governo criarem, além de seus sites oficiais, seus perfis nas principais redes sociais online para se comunicarem de modo direto, simples e rápido com os administrados, mas mantendo, obviamente, o Diário Oficial como veículo formal para divulgação e transparência dos atos técnicos da gestão.

Mas com isso, os gestores das Administrações Públicas, figuras políticas que naturalmente precisam de visibilidade e notoriedade para continuarem no páreo da próxima eleição, também precisam de espaço online para divulgação de suas ações e se mostrarem cada vez mais úteis e necessários à população. E o principal problema está justamente quando os gestores se utilizam dos canais oficiais para eles próprios, pessoalmente, divulgarem as ações de gestão, ou serem nominalmente enaltecidos nas matérias veiculadas no site oficial do órgão, vinculando assim sua imagem pessoal ao conteúdo institucional.

Sob o aspecto eleitoral, já existe há algum tempo comando específico que veda publicidade institucional no período de três meses que antecede o pleito[2] a fim de manter a igualdade de condições entre os candidatos que vão a reeleição e aqueles que não estão ocupando cargo eletivo. Mas agora, os órgãos de controle externo estão cada vez mais atentos às práticas de publicidade institucional em sites e redes sociais oficiais onde a figura pessoal do gestor se torna tão intrinsicamente ligada ao ato de gestão divulgado que o princípio constitucional da impessoalidade passa a ser violado, configurando o ato de improbidade administrativa previsto no Art. 11, Inciso XII, da Lei nº 8.429, de 1992[3].

Em julho de 2022, a prefeita do Município de Frutal, MG, foi condenada por ato de improbidade administrativa justamente por se autopromover indevidamente através do site oficial da prefeitura. Vejamos:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. NOVO JULGAMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROMOÇÃO PESSOAL DA PREFEITA. VEICULAÇÃO DE NOTÍCIAS EM ‘SITE’ DA PREFEITURA. SUPERAÇÃO DO MERO DEVER DE INFORMAÇÃO PARA EVIDENCIAR O TRABALHO DA ALCAIDE. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DEMONSTRADO. SANÇÕES PREVISTAS NO ARTIGO 12 DA LEI Nº 8 .429/1992. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA EFETIVADA PELA LEI 14.230/2021. APLICABILIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Consoante expressamente previsto no artigo 37, § 1º, da Constituição da República: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. Uma vez comprovado nos autos a promoção pessoal da ré mediante veiculação de notícias, ao longo dos mandatos, que evidenciam os trabalhos e realizações da Prefeita, e não da Administração Municipal, reconhecida a prática de conduta contrária ao princípio da impessoalidade no âmbito da Administração Pública. As penas para os atos de improbidade administrativa devem ser cominadas com atenção à proporcionalidade e razoabilidade. O e. Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, apreciando o tema 576 da repercussão geral, negou provimento ao Recurso Extraordinário nº 976566, fixando a seguinte tese: “O processo e julgamento de prefeito municipal por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/67) não impede sua responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8 .429/1992, em virtude da autonomia das instâncias”. (TJ-MG – AC: 10271140114288001 Frutal, Relator: Moacyr Lobato, Data de Julgamento: 30/06/2022, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 04/07/2022)

Já em agosto de 2024, prefeito e vice-prefeito de Mirante da Serra, RO, também foram condenados por ato de improbidade administrativa por motivos muito semelhantes ao caso anterior. Vejamos:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DIVULGAÇÃO DE FEITOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. OBRAS. GARANTIA. DISPOSIÇÃO DE IMAGENS VINCULADAS. PREFEITO E VICE-PREFEITO. CANDIDATOS À REELEIÇÃO. PROMOÇÃO À IMAGEM PESSOAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE. SANÇÕES DEVIDAS. RAZOABILIDADE. PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. A Administração Pública tem como primazia a garantia do interesse coletivo e deve ser regida por princípios como o da impessoalidade, motivo que não pode se desviar, sob pena de se configurar ato ímprobo. De acordo com o art. 37, § 1º, da Constituição da República, a publicidade de obras e serviços dos órgãos públicos não é vedada, desde que tenha caráter informativo e de orientação social e que não configure promoção pessoal dos gestores. O prefeito e vice-prefeito que promovem propaganda eleitoral indevida, utilizando dos feitos da gestão para promoção pessoal, com vista à reeleição, utilizando a publicidade e a veiculação de reportagens no sítio eletrônico do município e redes sociais particulares afrontam a Lei de Improbidade. Se caracterizada a conduta violadora aos princípios da Administração Pública, as sanções descritas devem ser aplicadas com respeito à razoabilidade e à proporcionalidade do caso. Sentença mantida. APELAÇÃO CÍVEL, Processo nº 7002143-70.2022.822.0004, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 1ª Câmara Especial, Relator (a) do Acórdão: Des. Glodner Luiz Pauletto, Data de julgamento: 05/08/2024 (TJ-RO – APELAÇÃO CÍVEL: 70021437020228220004, Relator.: Des. Glodner Luiz Pauletto, Data de Julgamento: 05/08/2024)

Em âmbito administrativo, esse comando constitucional também tem repercussão severa: através de acórdão publicado em 2 de junho deste ano, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná decidiu[4] que “as redes sociais mantidas pelo poder público devem conter apenas informações educativas ou de orientação social e, portanto, não podem conter nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de gestores ou servidores daquele órgão”, e determinou ao Prefeito de Agudos do Sul, PR, que “se abstenha imediatamente das práticas de autopromoção por intermédio das mídias sociais oficiais, sob pena de multa”.

A fim de evitar a possibilidade de condenações judiciais ou administrativas conforme os casos acima ilustram, muitos prefeitos estão utilizando seus próprios perfis pessoais nas redes sociais para divulgarem as ações desenvolvidas a frente do Executivo municipal, a ponto de se tornarem verdadeiras “celebridades online”, com milhares (ou até mesmo milhões) de seguidores.

Para ilustrar, trazemos os dados do Instagram consultados hoje, 1º de setembro de 2025, de alguns dos principais prefeitos com marcante presença online do país: o perfil pessoal de Rodrigo Manga, prefeito de Sorocaba, SP, conta com 3,6 milhões de seguidores, enquanto o perfil oficial da Prefeitura de Sorocaba tem “apenas” 217 mil seguidores. João Campos, prefeito do Recife, PE, tem 2,9 milhões de seguidores, ao passo que o perfil oficial da Prefeitura do Recife informa 648 mil seguidores. Ricardo Nunes, prefeito de São Paulo, SP, com 1,1 milhão de seguidores e o perfil Oficial da Prefeitura de São Paulo com 399 mil seguidores. Por fim, Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, RJ, com 898 mil seguidores e o perfil oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro com 1 milhão, único dos quatro casos citados no qual o perfil institucional da prefeitura possui mais seguidores que o do prefeito.

Mas ainda assim, nem tudo são flores para esses gestores super populares. Já há entendimento jurídico formado de que, mesmo em suas redes pessoais, eles podem incorrer na violação do que estabelece o § 1º do art. 37 da Constituição Federal. Decisão nesse sentido foi proferida pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial[5], onde se determinou o prosseguimento da Ação de Improbidade Administrativa movida pelo Ministério Público contra o então governador do Estado de São Paulo, João Dória. A ação visa apurar suposto uso de verba de publicidade institucional para promoção pessoal de Dória, além de autopromoção indevida ao utilizar imagens publicitárias do programa institucional da gestão, chamado de “Asfalto Novo”, em suas redes sociais particulares.

Seguindo essa linha, em maio deste ano, o Ministério Público de Santa Catarina emitiu Recomendação inicialmente à prefeita do município de Presidente Castello Branco, SC, “para não divulgar em suas contas pessoais imagens publicitárias de programas governamentais e assim evitar promoção pessoal indevida”. Posteriormente, outros municípios da comarca receberam a mesma recomendação[6].

Já o Ministério Público de Contas do Espírito Santo vai além: conforme parecer emitido em Representação[7] movida contra o prefeito de Vila Velha, “a violação ao art. 37, § 1º, CF, também se caracteriza com a veiculação de publicidade com teor de promoção pessoal da autoridade ou servidor público, mesmo que em sua rede social particular e custeada com recursos privados”. E continua: “Permitir que a autoridade ou servidor público realize publicações sobre ações e feitos estatais com o intuito de promoção pessoal, atraindo para si os frutos políticos da atuação estatal, é condescender com o personalismo patrimonialista em detrimento da impessoalidade republicana”.

Conforme resta evidenciado, os órgãos de controle judiciais, ministeriais e administrativos estão cada vez mais diligentes e proativos no sentido de coibir a utilização de recursos públicos e da repercussão positiva de políticas públicas como instrumentos de promoção pessoal de gestores, independentemente do veículo utilizado para o extravasamento dessa autopromoção, seja ele canal oficial da gestão ou perfil pessoal do gestor em rede social.

A recente inclusão da conduta de improbidade administrativa do inciso XII no art. 11 da Lei nº 8.429, de 1992, pela Lei nº 14.230, de 2021, aliada ao didático entendimento do STJ proferido no caso “João Dória”, mencionado anteriormente, irão nortear daqui pra frente a forma de atuação dos Ministérios Públicos na fiscalização, não somente dos prefeitos e governadores populares nas redes sociais, mas também de todos os agentes públicos ordenadores de despesas que se utilizam das políticas públicas de gestão ou da estrutura de publicidade contratada com recursos públicos para se autopromoverem nas mídias sociais online.

Será este o fim (ou pelo menos o começo do fim) das “dancinhas e conteúdos engraçadinhos” dos gestores em frente às obras públicas ou durante as ações de gestão executadas com recursos públicos que se disseminam de modo quase incontrolável nas redes sociais atualmente?

A resposta? Infelizmente ficará para as “cenas dos próximos capítulos”. Somente o tempo e os órgãos de controle brasileiros poderão dizer, num futuro nem tão distante (ou ao menos assim esperamos).

 

*Gustavo Bottós é pai, casado, advogado formado pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, pós-graduado em Direito Público, Direito Civil e Direito Processual Civil, Consultor e Instrutor credenciado junto ao SEBRAE Tocantins e Assessor Jurídico da Procuradoria-Geral da Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins. Ocupou, dentre outros, os cargos de: Secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação de Palmas (2012); Subsecretário de Estado da Saúde do Tocantins (2015); Secretário-executivo de Desenvolvimento Urbano e Serviços Regionais de Palmas (2020/2021); Secretário de Desenvolvimento Econômico e Emprego de Palmas (2022), Secretário de Governo e Relações Institucionais de Palmas (2024) e Secretário da Casa Civil de Palmas (2023/2024)

 

[1] Art. 92 – A publicação das leis e atos municipais será feita pela imprensa oficial do Município e, enquanto não existir, em placar apropriado.

[2] Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

VI – nos três meses que antecedem o pleito:

  1. b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

[3] Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

XII – praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

[4] Disponível em: https://www1.tce.pr.gov.br/multimidia/2025/7/pdf/00395983.pdf

[5] Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=296768521&registro_numero=202302579257&peticao_numero=&publicacao_data=20250221&formato=PDF

[6] Disponível em: https://portal.mpsc.mp.br/noticias/atuacao-preventiva-coibe-promocao-pessoal-indevida-em-redes-sociais-de-prefeitos–

[7] Disponível em: https://www.mpc.es.gov.br/wp-content/uploads/2024/03/Processo-3203-2021-Parecer-do-MPC-ES-em-representacao-PMVV-promocao-pessoal-do-prefeito-nas-redes-sociais.pdf

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